Por Leon Fagiani Campos, Advogado.
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4 de dezembro de 2024
Aviso: texto com objetivo de antecipar à comunidade tech mudanças de grande impacto no setor. Marco Civil em discussão... de novo? Sim, o Marco Civil de Internet (MCI) está em debate novamente. Durante sua aprovação, a lei sofreu muitas críticas, mas, o MCI proporcionou um regime de responsabilidade civil para os provedores de aplicações de internet, que esses só deveriam remover conteúdos de terceiros a partir de uma ordem judicial, ou seja, caso a empresa não possua uma política de remoção de conteúdos, em tese, não precisaria remover conteúdos de terceiros que gerem danos a seus usuários. No entanto, após uma década desde a implementação da norma mencionada, o aumento do uso das redes sociais e a complexidade das interações online têm exigido debates mais aprofundados sobre o assunto. Estão debatendo a se o Art. 19 do MCI é constitucional ou inconstitucional. Por que um caso chega no STF (Leading Cases)? O STF se envolve quando um caso levanta questões constitucionais significativas que exigem uma interpretação definitiva. Como a mais alta autoridade judicial, o Supremo deve garante que leis e disposições legais estejam alinhadas com os princípios da CF/88. Quando alguns artigos legais — como o Artigo 19 do Marco Civil da Internet — são desafiadas quanto à sua constitucionalidade, o STF estabelece precedentes que orientarão todo o sistema jurídico. Nota Casos paradigmáticos (Leading Cases) são decisões judiciais fundamentais, que servem como pontos de referência para casos futuros semelhantes. Quando um tribunal superior como o STF delibera sobre uma questão legal específica, sua decisão vai além de resolver o conflito imediato. Na verdade, cria um roteiro estratégico que orienta como tribunais inferiores devem interpretar e aplicar a lei em situações parecidas. Imagine um caso paradigmático como uma história fundacional na interpretação legal. Assim como uma história impactante pode estabelecer normas culturais, um leading case estabelece entendimentos jurídicos. RE 1037396 (relator: MIN. DIAS TOFFOLI) Neste caso, o Facebook contestou uma decisão judicial que o obrigava a pagar danos morais por conteúdo ofensivo publicado por terceiros — sem uma ordem judicial prévia de remoção. RE 1057258 (relator: MIN. LUIZ FUX) Este caso é sobre um recurso levado ao Supremo Tribunal Federal (STF) para decidir se empresas que hospedam sites na internet (como o Google, dono do Orkut) são obrigadas a monitorar e remover conteúdos ofensivos publicados por usuários, sem precisar de uma ordem da Justiça. O que falaram até agora? Artigo 19 - Íntegra Art. 19. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário. § 1º A ordem judicial de que trata o caput deverá conter, sob pena de nulidade, identificação clara e específica do conteúdo apontado como infringente, que permita a localização inequívoca do material § 2º A aplicação do disposto neste artigo para infrações a direitos de autor ou a direitos conexos depende de previsão legal específica, que deverá respeitar a liberdade de expressão e demais garantias previstas no art. 5o da Constituição Federal. § 3º As causas que versem sobre ressarcimento por danos decorrentes de conteúdos disponibilizados na internet relacionados à honra, à reputação ou a direitos de personalidade, bem como sobre a indisponibilização desses conteúdos por provedores de aplicações de internet, poderão ser apresentadas perante os juizados especiais. § 4º O juiz, inclusive no procedimento previsto no § 3o , poderá antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, existindo prova inequívoca do fato e considerado o interesse da coletividade na disponibilização do conteúdo na internet, desde que presentes os requisitos de verossimilhança da alegação do autor e de fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação. 👍 Quem entende que o Art. 19 é constitucional : Facebook. Argumentos principais: Defende o equilíbrio previsto no Marco Civil Alerta que exigências extrajudiciais podem: Sobrecarregar plataformas Aumentar risco de censura indevida Prejudicar a liberdade de expressão ABERT. Argumentos principais: Destaca que liberdade de expressão deve ser ampla, mas não ilimitada O artigo 19 garante um processo equilibrado que impede abusos Contra censura prévia, mas a favor de intervenção judicial corretiva Wikipedia Foundation. Argumentos principais: Alterações na responsabilidade das plataformas poderiam inviabilizar projetos educacionais Defende o modelo atual que protege iniciativas sem fins lucrativos Alega que o Wikipedia não é igual à outras plataformas TikTok (ByteDance). Argumentos principais: O artigo 19 evita censura prévia Preserva a liberdade de expressão Qualquer modificação pode impactar negativamente criadores independentes Mercado Livre. Argumentos principais: Destaca diferenças operacionais entre plataformas Responsabilidade irrestrita prejudicaria negócios legítimos Ressalta importância de ferramentas preventivas 👎 Quem entende que o Art. 19 é inconstitucional : Brasilcon. Argumentos principais: O artigo promove uma "hierarquia indevida dos direitos fundamentais" A obrigatoriedade de decisão judicial para remoção de conteúdos ofensivos causa: Processos longos e custosos Demora na proteção de vítimas Defende a revisão do artigo para proteger os mais vulneráveis, especialmente diante do aumento da violência digital Sleeping Giants Brasil. Argumentos principais: O artigo precisa de ajustes para permitir remoção eficiente de conteúdos danosos Destaca a desinformação como ameaça à democracia Enfatiza a necessidade de responsabilidade ética das plataformas digitais Advogado Geral da União (AGU). Argumentos principais: Sustentou que o artigo 19 é insuficiente para lidar com situações emergenciais, como o dia 8 de janeiro, quando a AGU precisou acionar judicialmente as plataformas para remoção de conteúdos incentivando atos antidemocráticos. Defendeu que a obrigatoriedade de decisão judicial prejudica a agilidade no combate a conteúdos prejudiciais e cria riscos à segurança pública e à democracia. CONIB. Argumentos principais: Destacaram que a regulamentação digital eficaz é essencial para equilibrar liberdade de expressão e responsabilidade. Fizeram referência ao impacto global da desinformação, citando exemplos concretos de como regulações rígidas em Israel ajudaram a mitigar abusos digitais. Reforçaram que o Artigo 19 do Marco Civil, ao exigir decisões judiciais para remoção de conteúdos, torna as ações lentas e, muitas vezes, ineficazes para prevenir danos irreversíveis em crises. Defendeu que normas mais flexíveis e pró-ativas podem evitar problemas sistêmicos, como manipulação de informações. O que os ministros falaram e perguntaram? Ministro Luís Roberto Barroso. "As plataformas têm responsabilidade sobre o impacto social de seus algoritmos. A liberdade de expressão não é ilimitada, especialmente quando utilizada para disseminação de desinformação ou discursos de ódio. A interpretação do artigo 19 deve considerar a proteção das instituições democráticas.” Ministro Alexandre de Moraes. “No dia 8 de janeiro, houve uma completa falência da autorregulação das grandes plataformas digitais. O uso descontrolado das redes para organizar atos antidemocráticos mostrou que a autorregulação, apoiada no artigo 19, é insuficiente. A instrumentalização e, em alguns casos, a conivência das redes, geraram riscos à democracia.” Ministro Dias Toffoli “Excelentíssimo senhor presidente, excelentíssimos senhores ministros, no julgamento de hoje, tratamos da constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet. É fundamental destacar a importância de garantir um equilíbrio entre liberdade de expressão e a responsabilização adequada de provedores.” Ministro Luiz Fux “Senhor presidente, senhores ministros, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem reiterado a relevância da proteção de direitos fundamentais, especialmente no contexto digital. O artigo 19 reflete uma tentativa de endereçar questões complexas em uma era de comunicação instantânea.” Ministro Edson Fachin “É essencial reforçar a necessidade de regulamentação eficiente da internet. A Constituição Federal é clara sobre os direitos fundamentais e deve ser a base para todas as decisões relacionadas à liberdade de expressão e responsabilidade no ambiente digital.” Por que importa a nós, de tech? Essas discussões legais impactam diretamente, em diversos níveis. Aqui vão alguns aspectos: Liberdade de expressão Inovação tecnológica Segurança jurídica no ambiente digital, e aqui leia-se também inteligência artificial. Para empresas e profissionais de tecnologia, compreender essas responsabilidades legais é essencial para: Desenvolver estratégias de moderação de conteúdo Garantir conformidade regulatória Minimizar riscos jurídicos Adaptar modelos de negócios As decisões do STF podem redesenhar completamente como as plataformas digitais operam, influenciando diretamente o desenvolvimento de novas tecnologias e a forma como direitos dos usuários são protegidos na internet. Adotar tecnologias não é uma opção. Manter-se atualizado sobre essas mudanças também não, mas sim uma necessidade estratégica para qualquer empresa ou profissional do setor tecnológico. Considerações Finais A discussão revela um debate complexo sobre os limites da responsabilidade digital, onde cada ator busca proteger seus interesses específicos, mas compartilha a preocupação fundamental de criar um ambiente online que faça mais sentido aos atores. A decisão do STF terá impactos significativos não apenas para grandes plataformas, mas para todo o ecossistema digital brasileiro, afetando desde redes sociais até plataformas educacionais e de comércio eletrônico. Dicas práticas Para startups : desenvolver políticas claras de uso, implementar mecanismos de moderação de conteúdo e buscar assessoria jurídica especializada desde o início. Empresas de tecnologia validadas : reforçar a governança corporativa, aprimorar ferramentas de moderação, ser transparentes em suas ações e engajar-se com reguladores e a sociedade para liderar pelo exemplo. Empresas de hardware/infra: projetar produtos de forma responsável, assegurando conformidade legal e oferecendo suporte ao cliente para o uso seguro de suas soluções. As pessoas geralmente preferem evitar e conter problemas em vez de resolvê-los - Richard Susskind, O Futuro das Profissões. Está precisando de uma assessoria jurídica personalizada? Descubra os benefícios exclusivos que preparamos para você e agende sua consulta com o advogado parceiro da Apeti!